Você é daquelas pessoas que, assim como eu, sempre acreditaram que a vida era uma equação de duas variáveis: trabalho e tudo o que não era trabalho? Como se houvesse um lado que pagasse as contas e outro que pagasse a alma? Achar o equilíbrio, diziam, era o segredo. Mas depois de mais de duas décadas vivendo o cotidiano em empresas, percebi que talvez a equação esteja mal formulada. Equilibrar o quê, exatamente? Horas? Tarefas? Expectativas? Ou será que a resposta está em redesenhar o jogo, não apenas redistribuir o esforço?
Foi essa pergunta que me trouxe aos livros certos, nas horas certas. Um deles, Outlive, de Peter Attia, fala sobre longevidade, mas na verdade trata de algo mais amplo: qualidade de vida com consciência (o conceito de healthspan ao invés de lifespan, ou seja, longevidade com qualidade de vida, não apenas viver mais anos sem usufruir deles). Attia não defende mais tempo, mas melhor uso do tempo que temos. E que essa aceitação é um ato de liberdade.
Se você ainda tenta “dar conta de tudo”, talvez seja a hora de questionar o próprio verbo. “Dar conta” de quê? De uma caixa de entrada infinita? De reuniões que se autogeram? De expectativas que nunca foram combinadas? Em um artigo da Harvard Business Review, Don’t End Your Career with Regrets in Your Personal Life, o autor Kenneth W. Freeman mostra como muitos executivos só se dão conta da negligência com a vida pessoal quando já é tarde demais. O texto revela algo desconfortável: muita gente só começa a pensar em equilíbrio quando o custo da ausência já foi cobrado com juros, pelos filhos, pelos relacionamentos, pela saúde.
No meu caso, precisei de alguns sinais físicos e emocionais para entender que “dar conta” era um mito caro. Comecei a observar como meu calendário era uma coleção de compromissos com os outros e quase nenhum comigo mesmo. Isso mudou quando passei a correr, a dormir melhor de maneira inegociável e a ter algum tempo para o que eu realmente gosto. O que aprendi nesse processo é que equilíbrio não é algo que se encontra. É algo que se constrói, com disciplina e intenção. E isso vale tanto para o corpo quanto para o tempo.
É por isso que O Design da Sua Vida, de Bill Burnett e Dave Evans, me impactou tanto. Os autores, que vêm do Vale do Silício, sugerem que a vida deve ser projetada com a mesma clareza e método com que se projeta um produto. Eles propõem exercícios práticos para refletir sobre o que te energiza, o que te drena, o que te aproxima da vida que você realmente quer viver. Um dos conceitos mais poderosos é o de “prototipar futuros”: testar caminhos antes de assumir compromissos definitivos. Isso vale para uma carreira nova, um hobby, um projeto pessoal. A pergunta não é apenas “como equilibrar tudo”, mas “o que eu quero que continue presente nos meus dias daqui a cinco anos?”
Se esse raciocínio parece distante da realidade profissional, recomendo a leitura do artigo Use Strategic Thinking to Create the Life You Want, também da HBR. Nele, os autores argumentam que o pensamento estratégico que aplicamos nas empresas deveria ser usado também em nossas escolhas pessoais. Não se trata de traçar um plano de cinco anos, mas de pensar em termos de alocação de recursos finitos: atenção, tempo, energia. O artigo desafia a ideia de que a vida pessoal precisa se adaptar à profissional. Talvez o caminho seja justamente o contrário: usar a clareza do que importa fora do trabalho para definir os limites do dentro.
Outro ponto que me fez repensar muita coisa veio de dois artigos da INSEAD. Um deles, Achieving the Money-Happiness Balance, mostra como a busca por renda, quando descolada de propósito, tende a gerar mais frustração do que liberdade. O outro, com o provocativo título Working Yourself to the Bone — Is It Ever Worth It?, expõe a lógica perigosa de sacrificar saúde, sono e relações pessoais em nome de metas organizacionais que, no fundo, são substituíveis. A pergunta que me faço hoje não é “quanto posso aguentar?”, mas “quais consequências estou disposto a aceitar?”
Se você sente que sua agenda tem te engolido aos poucos, minha sugestão é simples: pare de pensar em equilíbrio como uma linha horizontal entre trabalho e vida pessoal, com horas definidas. Pense em camadas. Em quais camadas da sua vida você está presente? Onde está aplicando energia real? O que está sendo negligenciado por hábito e não por escolha? O tempo não grita, ele sussurra. E o preço da ausência só aparece quando já é tarde para remediar.
Nenhum de nós vai zerar a caixa de entrada. Nenhum gestor vai cumprir 100% das metas com paz de espírito se negligenciar o sono por três meses seguidos. O que podemos e devemos fazer é assumir que equilíbrio não é estabilidade, mas ritmo. É saber acelerar quando importa e frear quando necessário. É se permitir escolher e, com isso, viver com mais lucidez.